Dra. Luciana Faleiros Cauhi Salomão
Expressão…
Que termo é este que causa tanto medo e que há muito vimos tirando de nossas crianças, transformando nossos jovens em pessoas sem identidade, nossos adultos sem autonomia e nossa sociedade sem a oportunidade de criar sua própria cultura?
Ao contrário de um simples termo, expressão é vida!
É vida, porque exprime ideias, sentimentos e emoções. É vida, porque se manifesta única e exclusivamente através do protagonismo do ser que explora, experimenta, descobre, compreende, vive e cria.
Sem viver e criar, não nos expressamos. Repetimos, consumimos e nos violentamos.
Deixamos a infância ser massacrada pela TV e pelos exercícios de repetição da escola ou, ainda, pelo subemprego da sobrevivência, pela violência e abuso de qualquer natureza. E, assim, a juventude chega a sobressaltos, sem ter dado espaço para o indivíduo conhecer a si mesmo e ao mundo que o cerca e instrumentalizar-se cognitiva e afetivamente numa convivência saudável.
Sem se educar, esses jovens se transformam em adultos vivendo na marginalidade cultural e social ou, em outros casos, dependentes, frustrados, omissos e sem ideais.
Quanta alienação permitimos! Quantos homens desonestos formamos! Sem valores e nenhum princípio! Uma constante guerra de poder incentivada desde a educação pré-escolar, quando começam a competir, e passam por um ensino que incentiva a repetição e favorece a exclusão. Exclui, porque exclui a vida da escola. Exclui, porque reproduz, marginaliza e inibe a criatividade.
Por isso, a ludoteca…
Ao mesmo tempo que devolve às crianças um espaço para se expressar, brincar, resgata a alegria de poder experimentar, descobrir e criar, tirada pela escola dia após dia. Proporciona aos jovens um ambiente lúdico, facilitando a interação entre eles e modificando o quadro de agressividade tão comum hoje em dia.
Descobrindo outras formas de expressar-se, o jovem vai se sentindo mais feliz e percebendo os outros como companheiros – companheiros para a bola, o pingue-pongue, a torrinha, a dama ou o quebra cabeça. O que importa é que seu corpo e sua mente estão em movimento, impulsionados pelo prazer da ação que realiza e numa constante situação de diálogo e comunicação. Distanciando-se dos problemas do dia-a-dia e absorvidos pelo jogo, jovens, crianças e adultos vão pouco a pouco reestruturando sua afetividade, comportamento e compreensão da realidade. Cada um cresce, à medida que avança em suas próprias desinências. Ninguém joga por ninguém. E quem joga, joga porque deseja.
As ludotecas são um momento de liberdade…
Não importa se chegamos aborrecidos, tristes ou preocupados. Quem se expressa, expressa pra valer. E brincando reencontra a alegria…, porque se reencontra sem críticas ou expectativas dos outros. E, nessa liberdade em poder brincar, vamos nos educando.
Jogos são inventados e regras são estabelecidas. O convite ao teatro surge de um simples boné que, colocado na cabeça, transforma todo um grupo em atores que se fantasiam, com a cooperação de uns e outros. Disfarçando-se de pai, mocinho, palhaço ou qualquer outro personagem, a criança se transporta para o mundo de sua própria criação, podendo experimentar-se nestes papéis tão confusos de suas vidas, contribuindo para o amadurecimento pessoal, o desabrochar da imaginação e da afetividade.
O parceiro de capoeira desafia cada movimento, tornando aquele um momento vital, na mistura da dança com o gingado da fuga, no reencontro de nossas raízes. Cada um sabe a hora de ceder o lugar para outro companheiro. Não há prêmio ou vitória; há o crescimento de todos e, ainda, um espaço de expressão, com alto valor educativo, permitindo o equilíbrio psicológico, o desenvolvimento motor e a descoberta das potencialidades do próprio corpo.
Um mesmo pedaço de cordão se apresenta de muitas maneiras, dependendo do desejo e da necessidade de quem o utiliza no momento: de coleira a cama de gato; de cama de gato a colar; e, depois, um simples cordão puxando um trenzinho feito de caixa e de tampinhas.
Compreende o que significa este trenzinho?
Além de todo envolvimento criador e original, num raciocínio perfeito, conseguido pelo manuseio de objetos com distintas características, aprimora-se a coordenação psicomotora e fica a mensagem de transformação… Com o trenzinho, a criança se situa naquele espaço: ela e seu brinquedo original, único e feito por ela. Satisfaz, talvez, um grande desejo. Isso a fortalece. E, a cada dia, podendo se experimentar em distintas maneiras, ela vai crescendo e se transformando. E, se transformando, vai transformando lentamente o mundo a sua volta.
Quanto movimento e quantas sensações são proporcionadas pelas brincadeiras de corda, pique-esconde, pique-pega, amarelinha e muitas outras que convidam o corpo e a mente a entrar em contato consigo mesmo, com a distância, com os objetos e com o outro, num espaço coabitado! Essas sensações e experiências corporais vão construindo nossa memória afetiva e estruturando o esquema corporal, que constitui a imagem de si próprio, a base da operacionalização, da conceitualização e é, ainda, o elemento de apoio à personalidade.
No jogo de pingue-pongue, as regras são simples e iguais para todos. Praticando, e como próprio esforço, o desempenho vai melhorando sem trapaças ou chances de enganar. O grupo vai aumentando e novas regras vão sendo estabelecidas, garantindo o entendimento e a participação de todos.
De forma natural, estes jogos vão favorecendo a socialização, pois, ao escolher o companheiro para jogar xadrez, se escolhe também o adversário havendo relação de identificação, confronto e diferença ao mesmo tempo. E, graças ao companheiro, o jogo se realiza com alegria, desafio e descobertas, permitindo a cada um expressar-se, ser autêntico e crescer sem medo de errar.
Nas ludotecas, cada um pode se instalar livremente, organizando os objetos à sua maneira para brincar, ler uma história, expressar-se com fantoches, trocar figurinhas, ouvir uma música e inventar uma coreografia – tudo isso em permanente diálogo entre os sujeitos e objetos, estimulando a afetividade na alegria de se divertir, sem a preocupação com a rentabilidade.
As histórias, contos e lendas são um convite irrecusável. A intensidade com que as crianças se envolvem com as mesmas é claramente percebida na atenção com que se põem a ouvi-las e no brilho de seus olhos, acompanhando o desenrolar dos fatos. Quando não estão sendo contadas, as histórias ficam à disposição em livros que vêm ao encontro dos interesses do grupo, trazendo uma variedade de situações que levam à construção do conhecimento, provocam emoções, permitem a fantasia e asseguram a integração sócio cultural.
Agrupando várias idades, favorecemos melhor integração entre todos, ampliando as possibilidades de relacionamento, de descobrimento e de aprendizagem. Os materiais são manipulados de forma espontânea, promovendo o conhecimento de seus atributos, desenvolvimento da criatividade na vivência de uma experiência significativa: artes plásticas, cênicas, jogos, recreação, música e folclore.
Usufruindo das ruas, praças e bosques, com plantas e animais, integramo-nos neste ambiente social e ecológico, desenvolvendo outros hábitos em relação à natureza e em relação ao mundo dos objetos, percebendo a cor e o aroma das flores e folhas, acompanhando o crescimento das plantas, a reprodução e o canto das cigarras envoltos pela mesma luz do sol que ilumina nossos jogos e brincadeiras. Sensibilizados e integrados neste ambiente, jamais o maltratamos. Vamos, ao contrário, aprendendo com ele, neste ciclo vital do qual somos parte integrante.
Assim são as ludotecas…
…Muita alegria, cor e movimento.
…Uma forma espontânea de se expressar, brincar, jogar, cantar e criar, permitindo uma evolução no processo de identidade de cada um e do grupo, em interação com o meio sociocultural.
…Um ambiente de liberdade que assegura a interação entre adultos, crianças, jovens e objetos, em busca de comunicação, expressão, criatividade, conhecimento e prazer.
BIBLIOGRAFIA:
DINELLO, Raimundo. Expresión ludico creativa. Montevideo: Gráficos del Sur, 1993.
___ . El juego: ludotecas. Montevideo: Gráficos del Sur, 1993.
LOWENFELD, Viktor; BRITTAIN, W. Lambert. Desenvolvimento da capacidade criadora. São Paulo: Mestre Jou, 1977.