Dra. Luciana Faleiros Cauhi Salomão
Consciente das necessidades de buscar novos caminhos para que a educação garantisse às futuras gerações, um horizonte melhor, a UNESCO brinda-nos no início deste século com uma publicação de Edgar Morin, intitulada “Os sete saberes necessários à educação do futuro”. Edgar Morin é doutor honoris causa em 17 universidades e um dos últimos grandes intelectuais da época de ouro do pensamento francês do século XX. Autor de mais de 60 livros sobre temas que vão do cinema à filosofia, da política à psicologia e da etnologia à educação.
As reflexões apresentadas no documento aprofundam a visão transdisciplinar da educação, expondo as ideias em sete saberes que levam em consideração problemas centrais e fundamentais da educação, que foram ignorados, mas tais saberes são necessários para se educar no século XXI. O primeiro saber nos mostra como a educação do conhecimento não se preocupa em fazer conhecer o que é conhecer. Todo conhecimento está ameaçado pelo erro e pela ilusão, mas para se enfrentar esses riscos que, segundo o autor, parasitam a mente humana, o conhecimento do conhecimento deve aparecer como primeira necessidade, para que a mente humana se arme no combate vital rumo à lucidez. Nas palavras de Morin,
[…] é preciso dizer que já no mundo mamífero e, sobretudo, no mundo humano, o desenvolvimento da inteligência é inseparável do mundo da afetividade, isto é, da curiosidade, da paixão, que, por sua vez, são a mola da pesquisa filosófica ou científica. A afetividade pode asfixiar o conhecimento, mas pode também fortalecê-lo. Há estreita relação entre inteligência e afetividade: a faculdade de raciocinar pode ser diminuída ou mesmo destruída, pelo déficit de emoção; o enfraquecimento da capacidade de reagir emocionalmente pode mesmo estar na raiz de comportamentos irracionais. (MORIN, 2001, p.20).
Uma das reformas propostas para a educação registradas por Morin (2001) se refere à reforma do pensamento e à organização do conhecimento favorecendo a aptidão natural da mente em formular e resolver problemas essenciais, estimulando o uso total da inteligência geral, que pede o livre exercício da curiosidade, tão massacrada pela escola que também desintegra, por meio das disciplinas, a unidade complexa da natureza humana que precisa ser restaurada, compreendendo tanto a condição humana no mundo, como a condição do mundo humano nessa era planetária¹. Segundo ele,
[…] o que agrava a dificuldade de conhecer o nosso Mundo é o modo de pensar que atrofiou em nós, em vez de desenvolver, a aptidão de contextualizar e de globalizar, uma vez que a exigência planetária é pensar sua globalidade, a relação todo-partes, sua multidimensionalidade, sua complexidade – o que nos remete à reforma do pensamento, necessária para conceber o contexto, o global, o multidimensional, o complexo (MORIN, 2001, p.64).
O enfrentamento das incertezas, a problemática de se educar para a compreensão humana como garantia de solidariedade intelectual e moral da humanidade e ainda a ética da cadeia indivíduo/sociedade/espécie, de onde emergem nossa consciência e nosso espírito propriamente humano, também fazem parte dos saberes anunciados em busca do aprimoramento da relação indivíduo/espécie, em busca da hominização na humanização pelo acesso à cidadania terrena e por uma comunidade planetária organizada. Para o autor, a humanidade deve ser plenamente reconhecida em sua inclusão indissociável na biosfera enraizada na Terra que, por sua vez, é uma pátria em perigo. Observada por esse ponto de vista, a humanidade está ameaçada de morte e somente a consciência poderá conduzi-la a uma comunidade de vida. (MORIN, 2001).
Todos esses documentos evidenciam a necessidade de se levar a humanidade a desenvolver ao máximo a inteligência do ser humano, ao mesmo tempo em que se aprende a conviver. Os valores humanos, o meio ambiente natural e sociocultural onde está inserido esse sujeito, as suas características sociais e históricas aliadas às suas diferenças genéticas enquanto espécie o diferenciam na natureza e pesam muito durante o processo educativo. O homem precisa ser considerado em seu contexto, a sua identidade cultural precisa ser respeitada, a complexidade que o cerca e o seu potencial são elementos que não podem ser desprezados se queremos vislumbrar novas perspectivas para o século XXI.
Somos seres humanos, vivemos em sociedade. Vivemos uns com os outros num ambiente natural e social. Precisamos nos conhecer, desenvolver o nosso potencial, respeitar o outro, a nós mesmos e ao ambiente em que estamos inseridos. Somos responsáveis uns pelos outros, mas também somos responsáveis pelo ambiente que nos cerca. Os danos que causamos, o bem que fazemos, a destruição que provocamos, as árvores que plantamos, o lixo que produzimos, a recuperação que realizamos, a água que poluímos, o desperdício que evitamos, a depredação com a qual contribuímos e a preservação que podemos garantir são escolhas que fazemos pelos valores que temos e pelos conhecimentos que adquirimos ao longo da vida.
A educação é um processo em que cada ser humano tem o direito e a possibilidade de ir se transformando pelas suas aprendizagens.
Negar-se à aprendizagem é negar-se a ser pessoa.
O vídeo referente ao texto está disponível no canal do IFDH Instituto. Acesse pelo link:
¹ Entramos, a partir do século XVI, na era planetária e encontramo-nos, desde o final do século XX, na fase da mundialização. (MORIN, 2001, p. 63).
Referências
FRONTEIRAS do pensamento. Conferencistas. Disponível em: https://www.fronteiras.com/conferencistas/edgar-morin. Acesso em: 26 nov. 2020.
MORIN, Edgar. Os setes saberes necessários à educação do futuro. 3. ed. São Paulo: Cortez, Brasília, DF: UNESCO, 2001.