Raimundo Dinello
O século XIX foi muito fecundo quanto às propostas pedagógicas, mas o século XX foi a manifestação de uma permanente ambivalência, uma orientação hoje, outra amanhã, foi como um reflexo de administrações políticas, só houve continuidade como sistema dependente da industrialização que dominava com a produção de objetos, sem maiores preocupações por parte das pessoas. Desde uma perspectiva de criatividade pedagógica, o século XX foi um impasse, se espera melhores propostas para o século XXI.
As propostas impulsionadas pelo movimento da escola ativa, dos centros de cultura e dos projetos pedagógicos foi o mais substancial da Pedagogia do século XX, introduziram a atual implementação da noção de sujeito protagonista que concorda com a Convenção dos direitos das crianças. Embora isso foi o menos aplicado onde mais se necessitava, ou seja, no hemisfério sul. Recordemos: direito à identidade, direito a ser instruído em sua língua materna, direito a educação.
Por outra parte tivemos os aportes do Ensino Programado que, postos em relação com a taxonomia, conseguem armar um sistema de estreito vínculo entre conteúdo, objetivos e avaliação. A falta da arte de ensinar e de autonomia metodológica se intensificam na avaliação. Substitui-se a qualidade do desenvolvimento do processo de aprendizagem pela verificação do produto através da avaliação. Observemos que docentes referindo-se enfaticamente a avaliação, não se interessam pelo melhoramento do processo de aprendizagem e ainda menos nos valores humanos. A perda da cobertura educativa que deixa muitas crianças na marginalização da sociedade, com porcentagem de repetentes durante a escolaridade, o crescente número de jovens que abandonam os estudos, são aspectos marcantes de uma realidade que exige novas resoluções.
Poderíamos entender sobre o fato de que, atualmente, estamos ante múltiplas manifestações de crise: a instabilidade familiar, os instrumentos da docência ultrapassados, o comportamento inquietante das crianças e jovens. Estamos perante a urgência de assumir um período de gestação de um outro universo educativo.
Mas, constatemos que nestes momentos não se expande uma única elaboração científica, marcando como dominante como anteriormente o fazia um laboratório ou uma instituição usufruindo de um trabalho de prestígio. Atualmente são muitas as experiências isoladas que em algum momento poderiam relacionar-se e propor harmonizar para uma maior igualdade.
Uns descobrem a relação com a criança em sua ludicidade, outros o valor protagônico nas atividades de expressão, outros na questão fundamental da identidade cultural, mas certamente as propostas não são suficientes enquanto receitas, adquirem realidade quando há encontros criativos para sua aplicação.
Através de nossas experiências se confirma a necessidade de abrir um espaço de expressão ludocriativa para todos. Os docentes facilitam o crescimento das novas gerações, mas eles também são pessoas humanas, portanto se faz necessário elaborar uma nova proposta pedagógica com uma metodologia que permita a cada um crescer em suas potencialidades.
Com base na criança, jovem ou adulto evolui-se para se situar nas expectativas do século XXI. Quer dizer que ele poderá crescer junto com a humanidade. Inclusive o docente pode ter a liberdade de experimentar-se, de seguir aprendendo, não somente porque tem que ampliar suas ciências, mas também porque ele tem múltiplas curiosidades para desvendar, seus problemas de vida não ocorrem somente na escola, possui um horizonte pessoal.
O ser humano ao ser curioso pode se tornar mais inteligente. O que ocorre com os docentes que precisam transmitir conteúdos que não são próprios e ainda, fazê-los de uma forma que não foram eles que elaboraram? Poderíamos dizer que lhes falta expressão própria. Por isso, a docência se traduz em tristeza quando se reduz à retransmissão de conteúdos e a sua avaliação, ignorando o processo de aprendizagem.
No entanto, frequentemente também os pais se limitam a solicitar a transmissão da matéria, o docente corre atrás do programa, sem preocupar-se com as crianças. Poderiam crescer melhor quando se aprende como protagonistas, quando tem a possibilidade de expressar-se, descobrir e experimentar em múltiplas interações. Que instrumento pedagógico tem o docente para interagir com as crianças e jovens, para relacionar-se com a comunidade educativa?
Estas afirmações e interrogantes criam sem dúvida um conflito importante, por ser uma maneira de inquietar os docentes e alunos, no fato de não incluir as atividades de expressão nos currículos. As vezes, as tem deixado como opcionais como se faz no teatro, durante a plástica, na música, expressão corporal, jogos, folclore, como se fosse somente complementar e não fundamental para o crescimento do sujeito.
O desenvolvimento nas áreas de expressão não é possível de avaliar como os conteúdos objetivados, precisamente porque são de ordem da vivência que afirma o sujeito, pertencem a uma inteligência social que se constrói permanentemente. Assim, de certa maneira o docente e logo os alunos ficam limitados quando somente respondem o conteúdo de conhecimentos úteis para seu rendimento produtivo. A proposta humanista de Educação Integral foi eliminada pelo ensino por objetivos que prioriza o rendimento competitivo ao invés do desenvolvimento da pessoa.
Se queremos brindar um porvir a cada um, temos que habilitar um espaço para expressar-se e crescer uns com os outros, aprender com respeito às diferenças e saber crescer com protagonismo compartilhado, assim é o caminho para educação, para democracia.
A transmissão de conhecimentos sem espaço para a expressão é uma forma adaptativa que menospreza as possibilidades de raciocínio dos alunos. As áreas de expressão são uma aprendizagem de convivência, em que todos temos um valor e nos afirmamos nas possibilidades de aprendizagem.
No modelo de transmissão de conteúdos, parece que vale mais a cópia, o qual é uma limitação ante a necessidade de duplicar os conhecimentos durante a prolongada escolaridade. A pedagogia da expressão aponta a um permanente crescer de todos e a conjugar o protagonismo de cada um. É adequada para a aquisição do conhecimento e também é um instrumento de respeito de identidades, de convivência, de educação para paz.
A EXPRESSÃO NA PEDAGOGIA
Veicular concepções separadamente do manifestar-se em suas emoções, nos tem levado a situações sem saída nos campos de aplicação, necessitando-se então, de uma articulação entre a expressão do sujeito e do objeto de conhecimento, entre o emocional, o cognitivo e o social, o qual representa todo o esforço por aprender, quer dizer, compreender e recituar-se no contexto.
Aplicando uma pedagogia baseada na expressão se articulam descobrimentos pasmados nos ensaios de artexpressão com a sistematização dos conteúdos programáticos. Reunindo o lúdico com elementos do método científico. De fato a metodologia ludocriativa contem etapas do método científico: pela expressão se experimenta, se tiram as primeiras conclusões, se ensaia novas hipóteses, se compara, acrescenta informações e termina-se sistematizando o tema desenvolvido.
O método científico começa diretamente pelo enunciado ou pela observação de hipóteses, e pode ser muito tedioso. Quando se inicia pela expressão ludocriativa há entusiasmo e todos encaminham para descobrir um sem fim de fenômenos que levam a conclusões sistematizadas. Em tal suceder pedagógico há um protagonismo heurístico: o sujeito descobre causalidades. Se cria uma relação entre o ser e o querer saber que se completa na sistematização conceitual.
Para aprender, necessitamos de uma visão heurística, que nos revele o até então não compreendido. Heurística: termo pouco utilizado nos cursos de formação de docentes. De certa forma um descobrimento é sempre uma nova síntese do mundo que nos rodeia.
As situações multifatoriais, as relações interdisciplinares são sempre mais interessantes que as abordagens por setores separados. Somente na investigação de determinados fatores a de se analisar cuidadosamente o que justifica a subdivisão de áreas do conhecimento, mas pouco se justifica no ensino primário. Por isso é que se busca a interdisciplinaridade no ensino médio e por isso no ensino básico convém abordar conjuntamente matemática e linguagem que contém uma mesma lógica.
Deve-se partir da interação dos fatores para construir uma compreensão global, logo se podem analisar fatores particulares sem perder sua relação do conjunto, pois queremos dispor de uma capacidade operacional sobre nossa realidade.
PEDAGOGIA CONTEXTUAL
Outro fator de distorção é trabalhar com material pedagógico alógeno, assim não se pode saber construir nem nos particulares processos de alfabetização, nem aqueles do ensino geral, com elementos próprios do universo cultural, do meio que se vive. Corresponde considerar a afirmação de identidade cultural como elemento base.
Por muitos anos a escola funcionou centrada em si mesma e um tanto limitada por seu material didático. De maneira que a maioria das crianças, quando chegavam a classe sentiam que tanto a linguagem que traziam de casa como as atitudes comportamentais manifestas não eram a melhor, nem se quer o adequado. O contexto aparecia como algo que tinha pouco a ver com a cultura e o escolar. Ficava evidente esta situação quando docentes formados em denominada escola normal iam dar aulas em escolas rurais ou em periferias urbanas.
De certa maneira em muitos casos, o saber proposto lhes era alheio porque a cultura dos contextos escolares não correspondia à realidade do aluno. E muitos alunos passaram pela escola sem gostar de aprender a ler ou escrever, dado que estas atividades soavam estranhas, não se reconhecia as mesmas. Toda criança a quem se faz sentir “que não sabe nada”, não tem vontade de falar, menos ainda de aprender a ler e escrever.
Atualmente podemos considerar que pouco se tem construído com conteúdos escolares a partir de valores significativos do contexto de vida e menos ainda organizado uma metodologia para que todos aprender. Contexto, termo que significa precisamente com o texto, é dizer que o texto leva implícitos os caracteres do meio ambiente.
Em sua maior parte o ensino se apresentou com um texto fora do contexto, e nele radicou um problema crucial: porque durante a escolaridade se deve confirmar na criança um valor em seu entorno, melhorar seu vocabulário, afirmar as lendas de seus avós, as canções e poemas que fazem referências à suas raízes, que são as portas abertas para aprendizagem significativa. Se lhes nega o que ele traz e se ele não pode expressar-se, só lhe resta um motivo, é isso ou adaptar-se por obrigação.
A criança chega a escola com seu contexto, quer dizer sendo sujeito em certa realidade. Se disto tomamos elementos de partida para aprendizagem da linguagem, dos cálculos, da física, da biologia, da história, ela estará em uma trajetória que articula aprendizagem com sua vida, com uma possível melhora do seu entorno, se não o consideramos assim, se apresentam dúvidas em sua identidade que trazem dificuldades em sua aprendizagem. Podemos ensaiar uma educação e uma sistematização do ensino que desenvolve a cultura autotócna, e pelo contrário que os negue como sujeitos criadores de cultura, desconhecendo a cultura do cotidiano em que se vive.
Considerar o contexto significa partir do que a criança sabe, do que é e desde já avançar em suas aprendizagens. Aceitando ele incluso numa certa diversidade cultural, dado que as crianças chegam com suas marcas diferenciais como conseqüência de fatores sócio-econômicos, de migrações internas e de imigrações. A abordagem pedagógica deve fundamentar-se e é um respeito pela trajetória do povo, de suas crianças e seus jovens. A docência não pode ser uma nova máscara da colonização. Para respeitar tais especificidades e orientá-los no projeto de educação integral é necessário instituir o espaço de evolução nas áreas de artexpressão, apresentar um campo interativo pedagógico.
O campo pedagógico é o espaço físico e mental onde podem evoluir vários sujeitos modificando uma diversidade de objetos, é um espaço onde as situações imprevisíveis decorrente da expressão criativa trazem interrogantes e conflitos pedagógicos que levam a tentativa de compreender o espaço onde se desenvolve sequências correspondentes às diversas áreas de expressão, prefigurando assim múltiplas possibilidades de aprendizagem.
ÁREAS DE EXPRESSÃO CRIATIVA
As infinitas possibilidades de desenvolver atividade de expressão podem ser agrupadas em cinco áreas específicas, que podem organizar-se separadamente ou em integração de áreas segundo as expectativas pedagógicas que o docente encara.
- Área de expressão plástica: com traços e marcas picturais de todo tipo, criações de formas tridimensionais a partir de múltiplos objetos, realização de esculturas e volumes, colagens e criação de maquetes, tudo isto numa relação básica com as estruturas lógico-matemáticas e com as possibilidades de modificar o mundo que nos rodeia.
- Área de expressão musical: com exploração de ruídos e sons, experiências de diferenciação auditiva, ensaio de cantos e harmonização sonora, experiências rítmicas e melódicas, que naturalmente estão em relação com as estruturas de linguagem, quer dizer em relação com a alfabetização e a comunicação social, e extrema relação entre linguagem e pensamento.
- Área de expressão cênica: com disfarces, jogos de papéis, dramatização de contos e lendas, fantasias, máscaras e animação de fantoches, representações teatrais, tudo certamente em relação aos processos de amadurecimento da pessoa e de convivência.
- Área de jogos e movimentos no espaço: com a evolução do corpo no espaço, jogos de corrida, saltos e cambalhotas, jogos de equilíbrio, jogos com objetos e circuito de obstáculos, tudo em relação a harmonia corporal e a coordenação motora.
- Área de iniciação cultural: com contos e jogos tradicionais, cantos e bailes do folclore, narração de contos e lendas, tudo em relação com a identidade da pessoa intrinsecamente vinculados a valores culturais regionais e perspectivas do país.
As áreas de expressão suscitam certas aprendizagens específicas, mas também concluem numa criatividade que permite impulsionar interrogantes referidas às diversas ciências que compõem o conteúdo programático de toda a escola e ciclos de estudos desde a formação profissional até o nível de graduação universitária. O docente assume uma particular intervenção de acordo com seus conhecimentos nesta articulação da expressão criativa com a sistematização de conhecimentos.
Assim, a proposta metodológica integra uma iniciação lúdica, continuam as animações de atividades de expressão criativa, em que surgem interrogantes pedagógicas que movem a experimentação, a busca de informação e propiciam desde a artexpressão até o poder de realizar uma articulação com os conhecimentos, com princípios estéticos e com os valores humanos.